Vem este post a propósito deste outro.
Já disse aqui, acho eu, que me faz um bocado de comichão a obsessão com as férias a dois ("Custou-me muito, mas tem que ser.", "Chorei todos os dias, mas faz muita falta." ) Casal com filhos que ainda não foi de férias a dois é porque não tem vida própria.
Durante a semana, eu estou com os meus filhos, na melhor das hipóteses, umas 2,5h por dia (com eles acordados, leia-se). Dessas 2,5h, metade da interacção fica-se pelo "está quieta enquanto eu te seco o cabelo", "não fales de boca cheia" e "é a última vez que vos chamo para a mesa". Digo na melhor das hipóteses, porque frequentemente passo noites fora em trabalho.
Há jantares a dois, já houve algumas noites a dois, mas eu podia ser a senhora da mesa ao lado que a SMS retrata. Porque eu também sinto que não me ia divertir numas férias sem os meus filhos. E, felizmente, o J. sente o mesmo (aliás, é até pior).
Por isso, para já, e a não ser que numa manobra política suicida, o nosso Primeiro-Ministro decida que 40 dias de férias é que é, as férias são passadas em família. Levando em conta a sentença do colega da SMS, na pior das hipóteses, temos a adolescência toda deles para ir de férias.
M. e avó N. no carro da avó:
- Ó avó, onde é que tu te sentas?
- Aqui.
- Mas tu conduzes?
- Sim, claro.
- Mas as mulheres não conduzem.
- Essa agora, claro que conduzem.
- Não, as mulheres não conduzem.
- A tua mãe conduz.
- Não, é o papá que conduz o carro.
- Sim, mas já andaste no carro com a mãe a conduzir.
- Não, porque as mulheres não conduzem.
Na reunião de pais que houve no início deste ano, a educadora da M. explicou, com imenso orgulho, que neste momento já todos os meninos vestiam e despiam os casacos sem ajuda, sem prejuízo de haver sempre um ou outro que tentava a sua sorte com ela ou com qualquer outro adulto que apanhassem à mão de semear. Mas como está tudo alinhado, a resposta era invariavelmente "Tenta outra vez, acho que consegues sozinho.".
Isto seria tudo muito bonito, não fosse o caso de por vezes eles apanharem a jeito no bengaleiro uma mãe. Daquelas que acham muito bem esta coisa da autonomia, mas que não têm tempo, nem sobretudo pachorra para estar sete minutos à espera que os filhos vistam o casaco. Daquelas que se compadecem de olhinhos melosos de gato. Daquelas que estão irreversivelmente atrasadas para a primeira de três reuniões dessa manhã. Daquelas tipo eu.
Vai daí que ontem, além da M., ajudei a M., a L. e a A. a despir e arrumar não apenas o casaco, mas também os gorros, as luvas e os cachecóis. Hoje, até entrei a medo no bengaleiro, mas felizmente, estava apenas lá a M. (que não a minha), toda equipada e que assim que me viu, fez um sorriso de orelha a orelha e pensou "Estou safa".
"Em The Better Angels of Our Nature [Os Melhores Anjos da Nossa Natureza, ndt.], Pinker apresenta dados que mostram que a violência humana, embora ainda muito presente hoje em dia, tem vindo a diminuir gradualmente. Além disso, diz ele, "ao longo de toda a história, as mulheres têm sido e continuarão a ser uma força pacificadora. A guerra tradicional é um jogo de homens: as mulheres tribais nunca se uniram para atacar aldeias vizinhas". Como mães, as mulheres têm impulsos evolutivos para manter condições de paz que lhes permitam cuidar da sua prole e assegurar a passagem dos seus genes à geração seguinte."
Ontem à noite, pus o meu chapéu de fada do lar e sentei-me no sofá com um livro de receitas da Bimby, escolhendo menus e fazendo a respectiva lista de compras.
"Eu quero ajudar. O que é que eu posso fazer, mãe?".
"Podes ver os alimentos que estão na fotografia e dizer-me o que é que temos que comprar.".
Ela ficou a olhar para o chili de vegetais e disse feijão.
"Boa! E mais?".
Ela olhava, mas não lhe saía nada.
"O que são estas coisas amarelas pequeninas [milho]?".
Silêncio.
"Mi...?"
"...cóbios!" diz ela triunfante.
Cenário: cama supostamente de casal, por volta das seis da manhã
Personagens: mãe semi-adormecida, bebé de quinze meses em processo de readormecimento, mas com o tique chato de puxar os cabelos que estejam à mão de semear, criança de três anos supostamente a dormir (ausente: pai inteligente que se pirou para o sofá da sala)
O P. puxa o cabelo da M., não com força, mas repetidamente; ela vai tirando de forma delicada a mão ele, delicadez essa que se vai tornando mais firme, até que, ao fim de uns bons cinco minutos, a luz de presença me permite ver um dedo em riste junto à cara do P. e ouço: "É a última vez que me puxas o cabelo!".
M., ouvindo no carro uma música da Cuca Roseta: "Ó mãe, o que é "fatal"?
M. para a minha mãe, vendo uma fotografia minha grávida do P.: "Ó avó, mas como é que os médicos puseram o P. dentro da barriga da mãe?"